Em homenagem ao Mês do Médico-veterinário, comemorado em setembro, o CRMV Tocantins entrevistou o profissional Dr. Heleno Guimarães de Carvalho, que atualmente é auditor fiscal federal agropecuário e atua no DIPOA Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal, Mapa – Ministério da Agricultura e Pecuária. Formado há 33 anos, pela UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Dr Heleno teve a carreira pautada na bovinocultura de leite, mas logo após se formar trabalhou na Academia Militar das Agulhas Negras, na sua cidade natal Resende – RJ. Neste período, prestou assistência técnica em fazendas leiteiras da região, quando em 1994 resolveu empreender e montar seu próprio laticínio. Após oito anos, o laticínio enfrentou dificuldades financeiras e precisou ser encerrado, coincidindo com a sua aprovação no concurso para auditor fiscal federal agropecuário em segundo lugar para Palmas. Dr Heleno mudava-se para a mais jovem Capital do País, de onde não se mudou mais, construindo uma família e fazendo laços.

Confira a  entrevista na íntegra!

1 – O que te motivou a escolher a medicina veterinária como carreira?

Minha família é formada quase na integralidade de produtores rurais ligados a bovinocultura de leite. Meu pai era produtor de leite, embora fosse um pequeno produtor, sempre procurou inovar. Já em 1999, fazia inseminação artificial na sua propriedade e a procura de novas tecnologias que trouxessem melhorias de produtividade e na vida do produtor. Isso chamou minha atenção. 

2 – Qual foi o caso mais desafiador que você já enfrentou na sua carreira e como você o superou?

Na administração pública enfrentar a falta de caráter de alguns profissionais que deixam de servir a sociedade e passam servir a interesses pessoais de forma inescrupulosa, trazendo a sociedade e aos demais colegas grandes prejuízos, patrocinando ingerência política, assédio moral e corrupção, que são os três cavaleiros do apocalipse da administração pública. Eu e minha esposa, que também é médica veterinária e auditora fiscal federal agropecuária, fomos vítimas de toda essa abordagem indevida durante 14 anos, que foi solucionada com os desdobramentos da operação Lucas da Polícia Federal, no âmbito do MAPA – Ministério da Agricultura e Pecuária.

3 – Qual é a maior lição que você aprendeu ao trabalhar na sua área?

Tendo vindo da iniciativa privada inclusive como ex-presidente de uma entidade patronal, quando fui durante seis anos presidente da Associação Comercial e Industrial de minha cidade, tinha sérias restrições ao serviço público. Hoje, tenho a certeza  que sem administração pública atuando nos assuntos que são inerentes à ela, a ausência do estado ou sua ineficiência torna a inciativa privada inviável. Só a administração pública e sua exclusividade em administrar a burocracia tem o poder e a capacidade de proteger por meio do arcabouço legal e dos servidores públicos, de trazer alguma segurança jurídica nas relações entre as indústrias e os consumidores, e equidade nas relações entre as empresas com ação do estado, impedindo a concorrência desleal entre empresários.

4 – Quais são as principais qualidades que um bom médico-veterinário deve ter?

A humildade, a honestidade e a ética. Por incrível que pareça pessoas com essas características são extremamente complexas e de difícil relacionamento, vistas como “complicadas” e muitas vezes tidas como arrogantes pelo desprezo que demonstram por aqueles que não tem essas qualidades. Tendo essas três qualidades, as demais vêm como o esforço pessoal. Técnica se ensina e se aprende. As características inerentes ao caráter vêm de valores familiares ou natos. Os maiores danos que tive notícia, tanto a direitos difusos quanto a direitos individuais e ao bem-estar dos animais, foram causados por falta de uma das três qualidades ou das três ao mesmo tempo.

5 – Como você lida com o estresse e a pressão emocional que podem surgir na profissão?

Quanto maior a responsabilidade maior a pressão sofrida. Grandes responsabilidades estão ligadas a grandes pressões. Quem não está preparado para sofrer pressão não está preparado para vida. Viver é coisa perigosa, mas a pressão tem o poder transformador. A inteligência emocional é nata, mas acredito que com a maturidade e a procura pelo controle das próprias emoções é possível evoluir. Mas quem não quer enfrentar pressão, não pode assumir responsabilidade. Sofremos pressão o tempo todo. Quando constituímos famílias, estamos pressionados pela sociedade e pelos costumes. Quando montamos algum negócio na iniciativa privada, somos pressionados. Quando arrumamos um emprego somos pressionados pelo chefe.  Pressão é inerente à vida, e é nessa caldeira da vida que são formadas as personalidades.

6 – Quais são as maiores mudanças que você observou na medicina veterinária desde que começou a trabalhar na área?

Na minha área, o reconhecimento da existência de uma só saúde trouxe uma grande transformação. O reconhecimento da impossibilidade de melhoria na saúde humana sem a adequada atenção à saúde animal. Isso trouxe para os higienistas de alimentos, o reconhecimento da sociedade e consequentemente uma transformação das metodologias: a avaliação de risco de toda cadeia produtiva como única forma de melhoria da qualidade final dos alimentos. Antes acreditávamos que todos os males poderiam ser mitigados na indústria. Hoje a própria composição inerente aos alimentos tais como açucares, proteínas, gorduras e outros passaram a ser tratados como perigos. As doenças ligadas a composição dos alimentos e a necessidade de segregação estão entre os principais perigos que antes sequer eram tratados. Outra grande mudança está nas questões ligadas ao bem-estar animal, que sequer eram lembradas e tratadas com importância pela sociedade.

7 – Como você vê o futuro da medicina veterinária com o avanço da inteligência artificial e outras tecnologias?

Toda forma de tecnologia traz melhorias aos melhores e exclusão aos incompetentes. Minha geração, possivelmente entre todas as gerações, foi a mais atingida pelas transformações tecnológicas. Vi surgir o computador, a internet, assisti o primeiro fax funcionar na minha cidade, e agora a inteligência artificial e cirurgias robóticas à distância. Já tive a curiosidade de usar inteligência artificial e observei que seu uso mais uma vez exige e os profissionais bem formados terão mais sucesso. Pelo que pude observar, quanto maior for o vocabulário e conhecimento técnico do usuário, maior será qualidade do produto oferecido, seja qual for a inteligência artificial a ser usada, pois a inteligência produz em função do comando que lhe é oferecido. Quem não tem vocabulário não consegue transmitir o comando exato. Não consigo imaginar como um profissional que não sabe semiologia vai usar inteligência artificial na clínica ou o profissional que não tem profundo conhecimento de anatomia vai usar um robô cirurgião.

8 – Qual conselho você daria para alguém que está pensando em seguir a carreira de médico-veterinário?

Sou de uma geração dos deveres. Tinha um amigo meu, que foi um dos maiores da engenharia do País, e dizia que minha geração era a última geração dos profissionais românticos, que tinham amor pelo conhecimento. Penso que esse amor pelo conhecimento, seja ele qual fosse, era em função da dificuldade de acesso ao mesmo. Éramos de uma geração que lia livros,   a informação não estava disponível em um click. Hoje vivemos a geração da informação disponível e acessível a todos. Só é ignorante quem quer ou quem não consegue entender ou interpretar a informação por baixa formação de base. Essa é a grande mudança em todas as carreiras. Quando me formei as pessoas eram formadas mesmo. Hoje boa parte tem só um diploma, mas não tem formação. Observo uma ânsia pelo imediatismo dos resultados, esquecendo que o resultado é consequência do processo. Talvez o conselho que daria a cada colega que está cursando veterinária ou pretendendo cursar, é a necessidade de formação intelectual como pré-requisito à formação profissional. Leiam livros, seja qual for o tema.

Ascom CRMV Tocantins
Palmas, 10 de setembro de 2024.